COLLARES, Marco Antônio. Construções Interpretativas sobre o Senado e Principado Romano. (p. 20-29)

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COLLARES, Marco Antônio. Construções Interpretativas sobre o Senado e Principado Romano. (p. 20-29) por Mind Map: COLLARES, Marco Antônio.  Construções Interpretativas sobre o Senado e Principado Romano. (p. 20-29)

1. Leituras historiográficas sobre os pilares da sustentação do principado:

1.1. Um posicionamento comum bastante difundido entre os pesquisadores contemporâneos estabelece que as crises civis que deram termo ao regime político republicano ocorreram devido à impossibilidade de as instituições administrarem um Império em franca expansão territorial. Como resultado desse processo, teria ocorrido a “concentração de poderes nas mãos dos imperadores em detrimento das instâncias que compunham o sistema republicano tradicional: magistraturas, senado e assembleias populares”.

1.2. Concomitantemente a essa perspectiva, Syme defendeu a existência de um elaborado aparato de propaganda dos adeptos do novo regime semelhante àqueles utilizados em regimes autoritários contemporâneos, ou seja, armas ideológicas com vias a exercer unicamente a camuflagem da natureza real da denominação despótica do Imperador. Isso tornou a imagem pública dos Imperadores um mero instrumento de camuflagem de seu poder régio e militar.

1.3. Diante dessas posições, os estudiosos, por muito tempo, debateram e ainda debatem sobre os fatores que permitiram a concentração das prerrogativas dos césares frente a uma aristocracia avessa a qualquer monarquia.

1.4. O termo “revolução” no título do trabalho de Syme “seria mais provocativo do que a demarcação de uma transformação socioeconômica profunda, uma ironia ao regime instituído, já que se trataria de uma monarquia disfarçada com visas à manutenção da proeminência da nobilitas, senão em termos de políticos, pelo menos em termos econômicos e sociais”.

1.5. A argumentação de que o principado não passaria de um regime despótico amparado na força das legiões a serviço dos imperadores e, consequentemente, na capacidade dos mesmos de exercer pressão política sobre a nobreza tradicional romana.

1.6. Um estudo mais contemporâneo, como o de André Piganiol, enfatiza que o principal pilar de sustentação do principado era o poder militar dos imperadores, assegurado pelo controle direto da legiões.

1.7. Seguindo Silva, o primeiro indício para tala argumento está no pagamento de soldos aos veteranos de César a partir do patrimônio pessoal de Octávio. Como segunda justificativa, teríamos a criação, por parte de Octávio, no ano 6 a.C, de um aerarium militare para pagar exclusivamente os soldos dos exércitos aquartelados em províncias de sua própria autoridade, as chamadas províncias imperiais.

1.8. Richard Seller, em seu estudo baseia-se na ideia de reutilização por parte dos césares romanos dos benefícios concedidos pelos patronos aos seus respectivos clientes em troca de gratidão e amparo político.

1.9. Na prática, o estudo de Seller enfatiza a monopolização, por parte dos imperadores, da distribuição de cargos na administração pública do Império, o que sugere a utilização em outras bases de práticas tradicionais do clientelismo republicano.

1.10. Nesse sentido, no contexto do principado, tanto os familiares dos césares quanto os amigos de seus clientes diretos passariam a fazer parte da chamada corte imperial. “os benefícios imperiais não foram uma invenção do principado, mas a continuação de certas práticas republicanas sob outra roupagem.”

1.11. Outra corrente de interpretação bastante conhecida atribui ao principado um amparo constitucional, jurídico e religioso decorrente da retenção de títulos e prerrogativas republicanas nas mãos do imperadores. Paul Petit atribui a proeminência dos césares ao fato militar, mas enfatiza a base constitucional de suas prerrogativas, todas elas respaldadas por práticas há muito tempo consolidadas. Além do esforço pesado em propaganda.

1.12. É importante ressaltar que, para essa corrente interpretativa, a indefinição dos poderes imperiais exigia a utilização de um aparato ideológico específico para ser socialmente aceita. Isso sugere que o pilar do poder dos césares estaria em 3 instâncias distintas, apesar de estritamente vinculadas: no controle irrestrito das legiões, no acúmulo de prerrogativas tradicionais republicanas e por fim, nos mecanismo de propaganda utilizados pelo imperador e seus adeptos para referendar tal acumulação de poderes quando se distanciavam dos marcos tradicionais republicanos.

1.13. Mais recente, Scullard afirmou que Otávio conquistara o consenso por intermédio das armas, mas isso não seria suficiente para a manutenção de seus poderes, levando-o à conclusão de que a estabilidade do novo regime estava, por um lado, na elevação da autctoritas do imperador e, por outro, na concentração de prerrogativas tradicionais republicanas.

1.14. Na opinião de Néraudau, o principado fora construído em um processo lento e gradual, diante de um contexto especifico de crise civil, a saber, uma monarquia regida por princípios tradicionais. Essa seria a única maneira de ser aceita pelo governo e pela nobilitas. Tratar-se ia, portanto, de uma monarquia sutil, referendada por concepções ideológicas em torno da defesa de um rei moderado, defensor da concórdia e da justiça, a governar sem prejuízo a res pública.

1.15. Walter Eder, por sua vez, considerou o principado uma forma de monarquia moderada, sem coroa ou cetro. Assim, apesar de o novo regime ter se desenvolvido fora dos marcos da República, possuía com ela muitas conexões, não devendo ser observado como um produto diametralmente oposto.

1.16. Favro sustenta que logo após a morte de César, não houve um único projeto urbanístico em Roma, mas múltiplos projetos vinculados ao triunfo dos comandantes militares que intencionavam exaltar suas próprias auctoritas, o que sugere uma supervalorização das imagens pessoais desses comandantes diante dos demais nobres romanos.

1.17. Paul Zanker defendeu que nos derradeiros anos da República, diante das constantes proscrições e disputas político-militares entre facções politicas, acentuaram-se os excessos na forma de representação individual dos romanos, principalmente dos membros da elites dirigentes. Nesse sentido, as lideranças politicas e os grandes generais priorizavam cada vez mais a difusão de seus cultos pessoais, monumentalização dos seus feitos. Tudo isso favoreceu a aceitação social da figura do Imperador.

1.18. Zanker e Wallace-Hadrill relativizam ou mesmo rejeitam a ideia de haver uma propaganda imperial minunciosamente penejada pelos agentes no novo regime (Syme). Além disso, tais autores não corroboram as concepções de que o regime era sustentado unicamente pela força das legiões.

1.19. Esperamos estabelecer, nas próximas páginas, nossa própria leitura contextualiza a respeito da sustentação do poder do primeiro Princeps, Caio César Augusto. Esse empreendimento permitirá traçar um esboço do papel do senado desse processo.