1. Considerações Finais
1.1. Esse ensaio teve como objetivo trazer reflexões e desafios sobre a formação na ética em pesquisa na Computação envolvendo humanos. O tema foi apresentado tanto no contexto geral, como no contexto específico da Computação.
1.1.1. É importante ressaltar que o propósito desse ensaio não foi fornecer uma perspectiva “moralista” ou impositiva sobre como devemos formar os pesquisadores em Computação que fazem suas investigações envolvendo participantes humanos.
1.1.1.1. O propósito dos autores é contribuir para que as respostas para a pergunta "Devo ou não submeter o meu projeto de pesquisa para o Comitê de Ética?" sejam estruturadas de uma forma mais qualificada, com a reflexão adequada que esse tema merece. E, para isso, a promoção da formação sobre o tema é necessária.
2. Introdução
2.1. Dentre várias questões abordadas na ética em pesquisa na Computação, a pesquisa envolvendo seres humanos dispara várias discussões e considerações.
2.1.1. Pode-se dar exemplos como os aspectos relacionados à obtenção de conhecimento livre e esclarecido do participante e a garantia da confidencialidade dos dados que podem ser eventualmente coletados.
2.1.1.1. Preservar as condições necessárias para que os avanços nas pesquisas científicas ocorram sem ferir á dignidade e os direitos humanos historicamente reconhecidos é um dos desafios da ética em pesquisa na Computação.
2.1.1.1.1. A ética em pesquisa na Computação carece de uma maior reflexão e aprofundamento de suas discussões, principalmente no que diz respeito à formação de pesquisadores.
3. Importância e Relevância da Ética em Pesquisa na Computação
3.1. O primeiro tópico diz respeito à importância da ética em pesquisa de uma forma geral, na perspectiva do pesquisador. O segundo tópico refere-se à relevância da investigação científica da ética em pesquisa da Computação.
3.1.1. Importância da ética em pesquisa na perspectiva do pesquisador
3.1.1.1. A ética cumpre a função crucial na concepção, planejamento e execução de uma pesquisa científica. Desconsiderar sua importância pode aumentar os riscos de insucesso na pesquisa, levando até a resultados indesejados.
3.1.1.1.1. Uma primeira consequência indesejada diz respeito a integridade subjetiva do pesquisador. ignorar a discussão sobre a ética em pesquisa pode levar a conflitos de integridade interpessoal.
3.1.2. Relevância da ética em pesquisa na Computação
3.1.2.1. Pode-se fazer um recorte na ética, em pesquisa, delimitando-a a partir de suas relações com a Ciência da Computação. A ética em pesquisa pode ser vista como uma área da Filosofia da Computação, tendo relevância científica específica e lacunas de pesquisas importantes a serem exploradas.
3.1.2.1.1. Há uma quantidade expressiva de trabalhos na ética profissional. Entretanto, há uma carência de trabalhos na ética em pesquisa na Computação, principalmente no que diz respeito a aspectos envolvendo humanos.
4. Ética em pesquisa envolvendo humanos no Brasil
4.1. Uma segunda reflexão sobre a formação na ética em pesquisa na Computação ao envolvendo humanos diz respeito a evolução da ética em pesquisa no Brasil. Compreender essa evolução permite que os docentes e pesquisadores da Computação se percebam como parte da construção e do amadurecimento da pesquisa em nosso país.
4.1.1. No Brasil, a ética em pesquisa envolvendo humanos é referendada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). A CONEP é ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) e tem como principal função avaliar aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos no Brasil.
4.1.1.1. Muitas das pesquisas envolvendo seres humanos na Computação são melhor contempladas nas especificidades descritas na CNS-510 do que na CNS-466. É importante ressaltar que a CNS-510 não invalida e nem revoga a CNS466, tendo em vista que esta previa aquela em um de seus artigos. Dessa forma, a ética em pesquisa na Computação envolvendo seres humanos deve observar tanto a CNS-466 quanto a CNS-510.
4.1.1.1.1. Uma das dificuldades de ordem pratica para a observação das resoluções do CNS é a submissão dos projetos de pesquisa para os CEPs. A Comissão Especial de Informática na Educação, por exemplo, publicou um capítulo específico em seu livro de metodologia científica sobre como realizar este processo. Pesquisadores de outras áreas também mencionam dificuldades com o uso da Plataforma Brasil, relatando problemas referentes a usabilidade, levando usuários a duplicar a mesma informação ao no sistema.
5. Ética em pesquisa na Computação
5.1. Uma terceira reflexão sobre a formação na ética em pesquisa na Computação envolvendo humanos diz respeito a compreensão dos pressupostos filosóficos e deontológicos existentes na ética em pesquisa atualmente. A ética em pesquisa, de uma forma geral, está assentada em quatro grandes princípios éticos:(i) consentimento livre e esclarecido, (ii) valor científico,(iii) beneficência, (iv) confidencialidade.
5.1.1. Singer e Vinson descrevem esses grandes princípios em detalhes, problematizando-os a partir de cenários reais existentes em estudos empíricos na Engenharia de Software. É importante ressaltar que todas estas problematizações apresentadas para EEE tem uma versão correlata em outras áreas de pesquisa na Computação como EC e IE. O consentimento livre e esclarecido do participante da pesquisa e um destes grandes princípios.
5.1.1.1. Os elementos fundamentais desse princípio são: (a) a divulgação do propósito da pesquisa ao participante, (b) as condições adequadas para uma devida compreensão da pesquisa, (c) o consentimento (ou não) em participar da pesquisa, e (d) o direito de se retirar da pesquisa em qualquer momento de sua realização. Hundhausen e colegas, ao realizar uma pesquisa sobre o uso de metodologias ativas na EC, solicitaram o consentimento livre e esclarecido dos participantes.
5.1.1.1.1. O valor científico da pesquisa e mais um grande princípio. Os elementos fundamentais desse princípio são: (a) a importância da pesquisa, e (b) a (in)validade dos resultados. A ACM deixa bem claro em seu Código de Ética, no Art. 2.6, que os seus membros devem trabalhar apenas em áreas de sua competência. Um dos riscos de não se observar esse artigo e a produção de resultados invalidados em uma pesquisa, por exemplo (o que seria eticamente condenável).
6. Desafios na Formação sobre o tema
6.1. Diante do exposto anteriormente, podemos elencar, a seguir, alguns desafios que consideramos importantes sobre a formação na ética em pesquisa na Computação envolvendo humanos.
6.1.1. Estruturar currículos
6.1.1.1. A estruturação de um currículo básico para o tema é bastante importante. Diante dos quatro grande princípios apresentados no tópico 4, seria importante que eles fossem contextualizados e problematizados especificamente para a área de Computação. Deveria existir currículos de formação tanto para o pesquisador que ainda estão em formação, quanto para o pesquisador já experiente, para ações específicas de formação continuada.
6.2. Construir material didático
6.2.1. A construção de um material didático é importante para o apoio dos docentes e discentes durante a implementação de um dado curricúlo. Uma possibilidade interessante é que os livros de metodologia de pesquisa na área de Computação contemple tópicos sobre o tema. Livros de metodologia científica para Computação costumam apresentar questões referentes a plágio e direitos autorais, mas não tocam nas questões sensíveis sobre a ética envolvendo humanos.
6.3. Incluir exigência em congressos e periódicos
6.3.1. Uma das formas de se exigir uma mudança de postura da comunidade científica e elevar o padrão nos principais meios de publicação: congressos e periódicos. Reconhecer importância da ética em pesquisa na Computação passa pelo reconhecimento da necessidade desses meios exigirem tais aspectos. Alguns periódicos em áreas da Educação no Brasil, por exemplo, exigem que as submissões mencionem explicitamente a aprovação obtida por meio de algum CEP.
6.3.1.1. Entretanto, a maioria dos periódicos e das trilhas científicas em eventos da Computação não costumam apresentar essa exigência. Como primeiro passo, exigir a menção nos artigos de como foram tratadas as questões éticas que naturalmente emergem durante a realização da pesquisa envolvendo seres humanos.
6.4. Promover iniciativas educativas
6.4.1. É necessário que todos os envolvidos na condução ao de um projeto de pesquisa recebam formação adequada sobre o tema. Instituições, gestores, órgãos de fomento /financiadores e participantes (sujeitos) da pesquisa apresenta o grande leque de possibilidades que existem nessas iniciativas.
6.4.1.1. Cotler e colegas, por exemplo, promoveram uma intervenção educacional híbrida. A proposta ocorreu dentro de um curso de verão que investigava questões de cyberbulling em ambientes de jogos online. Entretanto, simultaneamente, foi solicitado aos estudantes a realização de um processo semelhante a submissão de um projeto para um CEP.
6.5. Atuar politicamente
6.5.1. Uma das percepçções errôneas sobre a ética em pesquisa é que ela deve ser apenas observada de maneira passiva. E importante que sejam apresentados os caminhos já existentes para que propostas de modificação sejam encaminhadas e, possivelmente, incorporadas a atual legislação de ética em pesquisa. A ética em pesquisa no Brasil precisa ser continuamente evoluída de forma que a Computação pode (e deve) contribuir para que as resoluções atuais reflitam e promovam os desafios sobre o tema em relação a nossa área.
6.5.1.1. Um dos meios já existentes é que mais membros da Computação participem ativamente dos CEPs mais próximos de sua instituição. Essa participação pode ser como membro do próprio CEP ou através de diálogos com os membros dos CEPs. Assim, ao apresentar as particularidades de nossa área, podemos propor a criação de protocolos que promovam a ética em pesquisa na Computação, incentivando também um número maior de submissões nos respectivos CEPs.
6.5.1.1.1. É necessário que a própria comunidade científica regule a atuação dos CEPs e da CONEPE para que eventualmente, por meio de uma compreensão equivocada de algum aspecto de pesquisa na Computação, não proíba ou permita equivocadamente algum projeto ou etapa da pesquisa.
6.6. Ampliar o escopo de disciplinas
6.6.1. Em alguns currículos de Computação, a ética em pesquisa costuma ser contemplada em disciplinas de metodologia científica, direito ou filosofia. Entretanto, é bastante comum que os tópicos abordados nessas disciplinas se restrinja à legislação, propriedade intelectual, questões de autoria, relação orientador/aluno e fraude científica.
6.6.1.1. Uma das formas de potencializar a presença do tema em nossos currículos é ampliar o escopo dessas disciplinas para incluir, por exemplo, tópicos envolvendo um dos quatro grandes princípios apresentados. Dessa forma, os próprios núcleos docentes estruturantes poderiam agir de maneira mais efetiva nessa frente, através de adequação do ementário de disciplinas ou até por meio de uma reformulação do próprio projeto pedagógico do curso.
6.6.1.1.1. Alguns cursos contemplam tópicos de ética na Computação de forma transversal, perpassando as disciplinas da estrutura curricular. Esse seria um caminho interessante para promover mudanças significativas dentro da própria instituição de ensino.
6.7. Promover os referenciais de formação da SBC
6.7.1. Em uma dimensão nacional dessa agenda, uma possibilidade seria a promoção do que já está disposto nos referenciais de formação da SBC. Por exemplo, os Referenciais de Formação para os Cursos de Pós-graduação Stricto Sensu em Computação propõe um eixo de formação em ética, evidenciando a necessidade de se perseguir as boas práticas de pesquisa. É proposto como uma das competências derivadas a ser desenvolvida na formação do pesquisador que ele avalie “os impactos de seu trabalho nas organizações, na sociedade e no meio ambiente, considerando o desdobramento de seus resultados”.