DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34,...

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DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2010. von Mind Map: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2010.

1. História e mitologia

1.1. O mito de Édipo, Rei ficou conhecido na tradição ocidental pela encenação da peça homônima escrita pelo tragediógrafo Sófocles, no século V a.C. Fazia parte da chamada "Trilogia tebana", que contava com duas outras peças: Antígona e Édipo em Colono. O enredo narra o drama de Édipo, filho de dois nobres de Tebas - Laio e Jocasta -, cujo parricídio e casamento com a própria mãe teriam sido alertados pelo oráculo de Delfos. Para fugir do destino, o jovem Édipo é abandonado acorrentado ainda bebê por um servo em uma colina em Corinto, onde, apesar das circunstâncias adversas, sobrevive e cresce longe da família biológica, em uma casa real. Já sabendo de seu destino e acreditando ser filho legítimo dos reis de Corinto, quando maior, o rapaz retorna a Tebas. Sem saber que seus pais ali moravam, acaba de fato matando seu genitor e o mencionado servo em uma encruzilhada, dando sequência a uma série de eventos trágicos, que desembocam em uma praga em sua terra natal, no suicídio de Jocasta e em sua própria cegueira.

2. Autores

2.1. Pierre-Félix Guattari

2.1.1. Também francês, Guattari nasceu em 1930, no seio de uma família de empreendedores. Na adolescência, conheceu Fernand Oury, professor secundarista de tendência trotskista que influenciaria de modo significativo sua percepção de mundo anticapitalista, internacionalista, anticolonial, anti-imperialista e comunista. Tendo iniciado sua carreira na área de Farmácia (1951), abandonou o curso para se dedicar à Filosofia em Sorbonne. Lá, foi aluno de Lacan e influenciado pelo pensamento de Jean-Paul Sartre e Frantz Fanon; a psicanálise e a psicoterapia foram eixos fundamentais de sua formação. O filósofo também participou ativamente na guerra de libertação da Argélia - tendo, inclusive, contribuído financeiramente com a FNL (Frente de Libertação Nacional Argelina).

2.2. Gilles Deleuze

2.2.1. Filósofo francês nascido em 1925, foi impactado pelas consequências nefastas das duas guerras mundiais e pela ascensão do Nazifascismo no contexto europeu. Tendo perdido cedo o pai e sendo filho mais novo, passou a dedicar-se ainda na adolescência ao estudo da filosofia - introduzido por leituras da obra de Jean Paul Sartre, cuja vertente existencialista o influenciaria enormemente ao longo da vida. Anos mais tarde, torna-se aluno da prestigiada Sorbonne e, depois de formado (entre os anos 1940 e 1960), torna-se professor de liceus em várias cidades na França. Ganha notoriedade a partir de 1968, com a publicação de "Diferença e Repetição", sua tese doutoral centrada na epistemologia do pensamento.

3. Ano e contexto de lançamento

3.1. "O Anti-Édipo" foi lançado pela primeira vez em 1972 - quatro anos após os movimentos sociais de Maio/68 eclodirem em Paris; dez anos depois do fim da guerra de libertação da Argélia; e vinte anos após a publicação de "Pele Negra, Máscaras Brancas" (Frantz Fanon) - eventos que influenciaram fortemente o pensamento decolonial francês do século XX. Vale lembrar que o mundo estava vivenciando a chamada Guerra Fria, com uma série de conflitos eclodindo nas ex-colônias europeias e em áreas de influência norte-americana e soviética (i.e.: Guerra do Vietnã (1959-1975)). Dentre os contemporâneos de Deleuze e Guattari, estavam o supracitado Frantz Fanon, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Michel Foucault, dentre outros.

3.2. O Anti-Édipo é o primeiro tomo de "Capitalismo e Esquizofrenia", cujo conceito de "máquina desejante" foi formulado a partir da influência do pensamento de Freud e Karl Marx e para "pensar as sociedades e a “história universal” do ponto de vista do capitalismo ou de sua economia libidinal" (LABERGE, 2022). Tal noção seria desenvolvida particularmente por Guattari a partir do ano seguinte, sobretudo a partir do conceito de "microfísica" (do poder, do desejo etc).

3.3. O livro, além disso, bebe profusamente da crítica radical do marxismo ao capitalismo. Sua originalidade para a época repousa no fato de juntar esse conjunto de ideias à psicanálise freudiana. Com essa junção, os autores escaparam, vale lembrar, de duas tendências da filosofia francesa à época (déc. 1960 e 1970): a imanência (centrada em conceitos) e o materialismo antropocêntrico, com foco no homem; o dualismo entre o homem e a natureza. A cibernética, tão original e nova à época, foi justamente a saída que enxergaram para a superação dessa dualidade (seria o que estaria no meio), além de servir como metáfora para suas críticas ao capitalismo, como bem se observa em todo o livro. "Tudo é produção" e "tudo é máquina" serão máximas do livro. Vale ressaltar que o próprio capítulo 1 é repleto dessa analogia às máquinas (tudo é atravessado por elas); e que vários nomes da filosofia francesa - dentre eles, o próprio Foucault - foram impactados com o advento das novas tecnologias. Esta mesma ideia se repete em "Mil Platôs".

3.4. A ontologia de "O anti-Édipo", pois, é a ontologia da negação dos dualismos e da totalidade. Mais uma vez, deve-se reforçar que não foi uma tendência apartada do resto do pensamento acadêmico ocidental da época: a historiografia também estava, progressivamente, abandonando o campo estruturalista (a história événementielle, serial, progressiva, linear).

4. O mito de Édipo, Rei

4.1. Psicanálise

4.1.1. O mito de Édipo foi profusamente recopiado ao longo da História, por fazer parte da tradição clássica do teatro grego. No século XIX, ele foi reapropriado por Freud em sua teoria psicanalítica a fim de explicar o conceito das pulsões e do controle dos desejos - em uma época, vale lembrar, fortemente marcada pela lógica da disciplina (escolar, do Estado, da família etc) e do controle de si. A teoria freudiana suscitou repulsa, mas foi pioneira em não só trazer ao centro dos estudos científicos o interesse pelo estudo da criança - até então, encarada como um adulto em miniatura - e de sua sexualidade, como relacionar os desejos individuais às normas e convenções sociais (base do estruturalismo que, mais tarde, Deleuze e Guattari criticariam). Resumidamente, o personagem Édipo seria a síntese da pulsão natural do desejo em se casar com a mãe e o casamento com a figura materna; o "Complexo de Édipo", por sua vez, diz respeito a esse suposto sentimento natural incestuoso entre filho e mãe, gerando, desde a mais tenra idade, repulsa em relação ao pai.

4.1.1.1. Para saber mais sobre essa teoria, cf. o episódio "A psicanálise de Sigmund Freud" no podcast "A voz pode": A VOZ PODE

4.1.1.2. Deleuze e Guattari o utilizarão como arquétipo para o capitalismo no livro.

4.2. Por que "O Anti-Édipo"?

4.2.1. O título do livro "O Anti-Édipo" vem, portanto, da crítica às teses psicanalíticas tradicionais, baseadas em Freud e Lacan, nas quais o indivíduo era sujeito às normas e condutas sociais, tendo que deixar de lado o aspecto do desejo. É uma crítica, portanto, à sociedade disciplinar e de controle do século XIX, e ao próprio capitalismo. Em contrapartida, o que Deleuze e Guattari propõem na obra é uma luta contra a repressão ao desejo (visto justamente como algo contrário do capitalismo) em favor da liberdade e da resistência.

4.3. "As máquinas desejantes" (cap. 1)

4.3.1. A questão edipiana Aparece no primeiro capítulo na p. 27, quando os autores desenvolvem a noção de "disjunção", de esquizofrenia, psicose etc.

4.3.2. Aparece, ainda, vinculado ao conceito de "produção desejante" como um sistema linear-binário, no qual Édipo seria uma espécie de "invasor" (da configuração familiar (?), talvez; não fica claro).

5. Resumo da obra

5.1. O "Anti-Édipo" foi uma obra publicada em 1972 pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari, que abrange temas como a crítica ao capitalismo e à sua lógica de reprodução infinita, produtividade, desejo, liberdade, dentre outros. Tem um forte teor emancipador e contestatório ao Estado e às estruturas de opressão.

6. Conceitos principais

6.1. Bricolagem (p. 11, 14)

6.1.1. Conceito tomado de Lévi-Strauss para designar um conjunto de características estritamente ligadas.

6.1.1.1. " É assim que todos somos “bricoleurs”; cada um com as suas pequenas máquinas. Uma máquina-órgão para uma máquina-energia, sempre fluxos e cortes".

6.1.1.2. NT (p. 11): "Todos somos bricoleurs”, não apenas no sentido de podermos desviar múltiplas coisas deste ou daquele conjunto funcional para vários outros, mas também porque nossas próprias máquinas se engrenam multiplamente".

6.1.1.3. "Quando Lévi-Strauss define a bricolagem, propõe um conjunto de características estritamente ligadas: a posse de um estoque ou de um código múltiplo, heteróclito, porém limitado; a capacidade de introduzir os fragmentos em fragmentações sempre novas; donde decorre uma indiferença do produzir e do produto, do conjunto instrumental e do conjunto a ser realizado. A satisfação do bricoleur, quando liga alguma coisa à corrente elétrica, quando desvia um conduto de água, seria muito mal explicada por um jogo de “papai-mamãe” ou por um prazer da transgressão. A regra de produzir sempre o produzir, de inserir o produzir no produto, é a característica das máquinas desejantes ou da produção primária: produção de produção".

6.2. Síntese conectiva (p. 17-18)

6.2.1. Não há espaços em branco, vazios, lacunas no capitalismo; a falta de algo sempre se acopla ao desejo de outra (cf. "micropolítica do desejo" e "máquinas desejantes").

6.3. Disjunção (p. 25-26)

6.3.1. Contrário ao conceito de "desejo" e de trabalho enquanto libido, significa aqueles indivíduos que não estão em conformidade com as "máquinas desejantes"; relaciona-se ao conceito de "corpo sem órgão" e está no campo do delírio, da esquizofrenia e da paranoia, no qual se nega, não entende ou parodia os códigos sociais (p. 28-29).

6.4. Micropolítica do desejo

6.4.1. Desejo como infraestrutura da política (ver "máquinas desejantes"). Lembrando que o conceito de "infraestrutura" e de "superestrutura" é marxista, sendo aquele conceito ligado às forças de produção (máquinas, trabalhadores, meios de produção, matérias-primas etc) - ou seja, a base econômica da sociedade, onde se dão as relações de trabalho em si; já a superestrutura é o que está acima: são as estruturas de poder (Estado, religião, meios de comunicação etc), fruto das estratégias dos grupos dominantes para consolidar-se neste locus.

6.4.2. Desejo como produção do capitalismo e complementar (não a negação) da falta.

6.4.3. Conceito ligado à ideia do "molar" (as superestruturas do poder, como o Estado, a busca por lucro etc). Aqui, Deleuze e Guattari expõem uma contradição entre o tesão por algo (pulsão sexual, "investimento libidinal") e a ação dos sujeitos movida pelo desejo. Aqui, "tesão" está em um nível acima do desejo, que está no campo do mero interesse.

6.4.4. Molar: Superestrutura; molecular: da ordem do desejo.

6.5. Máquinas desejantes

6.5.1. Conceito oposto, embora complementar, do "corpo pleno sem órgãos", que significa, no contexto do livro, a antiprodução (p. 28).

6.5.2. O desejo é produtivo (ou seja, é a infraestrutura da política); é o que move o ser humano.

6.5.2.1. Exemplo: o fascismo é explicado, no livro, como resultado do desejo psíquico à obediência à ordem.

6.6. Corpo sem órgão

6.6.1. Conceito intimamente relacionado ao de "Máquina desejante", é uma metáfora para a antiprodução. Também aparece no livro relacionado à esquizofrenia como negação dos códigos sociais (na realidade, o esquizofrênico tem para si o código do delírio, não o desejante, que serial "normal"; isso quando não "embaralha todos os códigos", fazendo uso deles quando bem quer) (p. 29).

6.7. Corpo de Schreber

6.7.1. Conceito psicanalítico utilizado no primeiro capítulo para abordar o "código" do esquizofrênico; metáfora para o "corpo delirante".

6.8. Rizoma

6.8.1. Conceito tomado da botânica e desenvolvido em "Mil Platôs". Mais próxima à multiplicidade e à noção de ramificação e de fluxos complexos, é o oposto da ideia de raiz, da linearidade, de algo enraizado ou que tem um epicentro fixo.

6.8.1.1. "O rizoma procede por variação, expansão, conquista, captura [...]. Oposto ao grafismo, ao desenho ou à fotografia, o rizoma refere-se a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga".

6.8.1.2. Para saber mais: Rizoma em Deleuze e Guattari

7. Para saber mais

7.1. Dica de método para absorver o conteúdo do livro: 1) ler como se fosse poesia; 2) ler como se fosse um livro de ficção científica dos anos 1960, repleto de máquinas e da alusão ao futurismo.

7.1.1. Não é uma leitura linear.

7.2. Félix Guattari: vida e obra (LABERGE, 2022). Disponível em: Félix Guattari: vida e obra - Revista Cult

7.3. CUNHA, João Flores da (2016). "O anti-Édipo", de Deleuze e Guattari: o desejo como produção e a crítica à civilização ocidental: O anti-Édipo, de Deleuze e Guattari: o desejo como produção e a crítica à civilização ocidental

7.4. Entrevista com Félix Guattari: FÉLIX GUATTARI : ENTREVISTA SOBRE "O ANTI-ÉDIPO" (1987) - Legendado em PT/BR

7.5. "O anti-Édipo", por Moysés Pinto Neto (Instituto Humanitas Unisinos): 'O Anti-Édipo. Capitalismo e Esquizofrenia' de Félix Guattari e Gilles Deleuze - Moysés Pinto Neto

7.6. SANTAELLA, Lúcia. "O homem e as máquinas".

7.6.1. Artigo científico sobre a "invenção do corpo" de Schreber - conceito psicanalítico citado ao longo do livro: Inventar um corpo: Schreber e sua metáfora delirante

7.6.2. No capítulo, Santaella define a noção de "máquina" como uma ferramenta que potencializa uma atividade qualquer e que muda a depender do poder, força ou movimento que é nela aplicada. É uma analogia para a relação homem-máquina.

7.6.2.1. A analogia do homem-máquina existe desde pelo menos a Antiguidade, sobretudo no campo filosófico.

7.6.2.2. Máquina-muscular e máquina sensória como analogias para o desenvolvimento científico. Enquanto a primeira era auxiliadora de trabalhos manuais e produtora de objetos, a segunda é produtora de signos (p. 37). Adiante, Santaella afirma que estas últimas, paradoxalmente, capturam e expelem de volta ao mundo signos. Os aparelhos (ou "máquinas sensórias") são, assim, verdadeiros aparelhos produtores de signos.

7.6.2.3. A autora argumenta que as "máquinas sensórias" foram tanto produto do entendimento do funcionamento do próprio cérebro humano, quanto afetaram e foram se integrando a sistemas psíquicos (p. 41).

7.6.2.4. A leitura do texto produz a sensação - sobretudo a partir da página 42 - de que o atual cenário de imbricação e retroalimentação entre máquinas sensórias e cérebro humano é infinita: quanto mais se produz signos, mais os computadores precisam ser aperfeiçoados para compreendê-los - e, com isso, mais signos produzem.

7.6.2.4.1. "Entre as novas conexões encontram-se as interfaces do ser humano e computador em paisagens híbridas nas quais espaços e ambientes biológicos misturam-se com imagens, espaços e ambientes sintetizados em processos conhecidos sob o nome de ciberespaço e realidade virtual. De acordo com Kac [...], ciberespaço é um espaço sintético no qual "um ser humano equipado com um hardware apropriado pode atuar tendo por base um feedback visual, acústico e mesmo tátil obtido de um software" (p. 42).

7.6.2.4.2. "Permeado pela telemática, o fluxo da informação se torna o tecido mesmo da realidade (Kac, 1992, p.47), gerando formas de sociabilidade inéditas e a emergência de um mundo mental sem fronteiras que Ascott (1995) chama de hipercórtex" (idem).

7.7. Memes para ajudar na compreensão de "o anti-Édipo"

7.7.1. based (@based) | TikTok_deleuzian/video/7045329702763957509

7.7.2. https://twitter.com/bomb_adams/status/1319131893300908032

7.7.2.1. Meme que faz alusão ao conceito de "corpo sem órgãos" do livro;

7.7.3. Reddit - Dive into anything

7.7.3.1. O meme faz alusão à ruptura entre Lacan e Deleuze, quando este é convidado para um jantar e é obrigado a revelar o projeto do "Anti-Édipo".

7.7.4. Reddit - Dive into anything

7.7.4.1. O meme revela a ruptura entre Deleuze e Guattari durante a escrita de "O Anti-Édipo", cujas anotações deste último foram ignoradas por meses; a autoria seria somente atribuída ao primeiro. Ver também: Reddit - Dive into anything

7.7.5. Reddit - Dive into anything

7.7.5.1. O humor por trás do meme diz respeito ao entendimento de Guattari e Deleuze sobre a esquizofrenia e a paranoia - cujas menções no livro não significam o transtorno clínico propriamente dito, mas metáforas para dois processos inerentes ao capitalismo. Vale lembrar que Guattari era um psicanalista, então seu repertório pode ter o auxiliado a construir esse conceito. Enquanto a esquizofrenia produziria uma "produção infinita de significados", a paranoia o refrearia. Além disso, serve como analogia para as forças reacionárias do capitalismo; a força que o "congelaria"; é um limite absoluto. A paranoia, então, significa o que é "arcaico", "tradicional", "rústico", "obsoleto" no capitalismo (aparentemente, algo positivo).

7.7.5.1.1. Capitalismo como um sistema que se reterritorializa infinitamente e, por isso, não acaba.

8. Capítulo 1: "Máquinas desejantes"

8.1. O texto já se inicia desconcertante, tanto pela indeterminação do sujeito das primeiras frases ("Isso funciona em toda parte [...]; isso aquece, isso come"), quanto pelo vocabulário utilizado para indicar suas ações ("isso caga, isso come, isso fode" [...]) (p. 11).

8.1.1. A primeira ideia que permeia o livro é a de que tudo é máquina [a máquina funciona, na verdade, como uma metáfora para o corpo; e os corpos-máquina se acoplam (pensar na metáfora de uma engrenagem, na qual uma peça se encaixa à outra), como no ato sexual e no aleitamento materno, segundo os exemplos mencionados no capítulo I]. Aqui, entende-se o conceito de bricoleur, ou bricolagem: a grande máquina é formada de múltiplas outras.

8.2. A segunda ideia presente no livro é a do passeio do esquizofrênico - que deve ser entendida no contexto de produção do próprio livro: a psicanálise (embora se saiba de Guattari não era freudiano - algo explícito na frase "o passeio do esquizofrênico: eis um modelo melhor do que o neurótico deitado no divã" (p. 12)). Esta primeira ideia central é a do homem que delira e enxerga a natureza não como natureza, mas como processo de produção.

8.2.1. Vinculação dessa ideia do "passeio do esquizofrênico" com a dificuldade de compreender Édipo, cujos desejos são reprimidos.

8.2.1.1. Lembrar do "complexo de Édipo" freudiano.

8.3. A terceira ideia é a de "natureza e indústria: o processo": ideia de que o que o esquizofrênico vive é a natureza como processo de produção - e, aqui, os autores contrapõem natureza e indústria; no máximo, a indústria absorve a natureza (p. 14).

8.3.1. Aparecimento dos conceitos de "produção", "consumo" e "distribuição": no capitalismo, "não há esferas nem circuitos independentes"; a produção é, imediatamente, consumo e registro - que, por sua vez, interferem na produção. Essa esquematização pode ser associada à ideia anterior do maquinário que constitui a sociedade, no qual tudo está conectado, tal como engrenagens de uma grande máquina.

8.3.1.1. Conclusão: tudo é produção e tudo o que concerne ao capitalismo está necessariamente interligado (p. 14).

8.3.1.2. Conclusão: homem e natureza são uma mesma realidade (não opostos) (p. 15)

8.3.1.3. Conclusão: a esquizofrenia é o universo das máquinas desejantes (p. 16).

8.4. A quarta ideia é a de "máquinas desejantes, objetos parciais e fluxo": "as máquinas desejantes são máquinas binárias, com regras binárias e regimes associativos" - sempre uma máquina acoplada à outra, na qual se entende que a produção jamais chega ao fim (daí a metáfora dos autores quanto aos conectivos: "e", "e depois" etc). Essa ideia está expressa na seguinte frase: "é que há sempre uma máquina produtora de um fluxo, e uma outra que está acoplada [...]". Tal fluxo, segundo essa narrativa, é constante e linear (p. 17).

8.5. A quinta ideia é "A primeira síntese: síntese conectiva ou produção de produção": esquizofrênico como produtor universal. Nesta parte do texto, os autores expressam que "o não acabamento da mesa é um imperativo de produção", o que significa que o capitalismo produz de modo desenfreado e exponencial sem, necessariamente, ter um fim (de finalidade e de finitude). Novamente, o conceito de "bricolagem" aparece no texto - aqui, relacionado à ideia de que a produção existe infinitamente - uma peça ligada à outra; o fim de uma significa o início da seguinte, eternamente. Onde há brecha, há encaixe para uma nova peça - daí a infinitude do capitalismo (p. 18).

8.6. A sexta ideia é a da "produção do corpo sem órgãos": "Tudo para um momento, tudo coagula (depois tudo recomeçará). De certa maneira, seria melhor que nada andasse, que nada funcionasse. Não ter nascido, saído da roda dos nascimentos". Pelo contexto e pelo sentimento de nihilismo que esta frase traz, o autor carrega aqui uma crítica ao modus operandi do capital, de como a engenharia social funciona - o que parece ser corroborado pelos seguintes trechos, presentes logo a seguir: "as máquinas desejantes fazem de nós um organismo; mas, no seio dessa produção, o corpo sofre, por não ter outra organização, ou organização nenhuma"; "O corpo pleno sem órgãos é o improdutivo, o estéril [...], o inconsumível"; e "o corpo pleno sem órgãos é o da antiprodução" (p. 20).

8.6.1. A ideia aqui presente é a de que a engenharia social é formada por corpos e estes, por peças (órgãos) que se encaixam num todo, embora sempre em desarranjo - o que parece ser uma metáfora dadaísta ou futurista (?) para a organização social. Tanto que, nos trechos indicados ao lado, o autor sugere que, se uma dessas peças para de funcionar, todo o resto para conjuntamente.

8.6.1.1. Por isso, essa parte é a que melhor explica o conceito de "máquina desejante", que nada mais é do que o corpo humano em funcionamento, mesmo que "desarranjada" ("os órgãos da vida são o 'working machine'". Consequentemente, como explicitado no tópico seguinte, "entre as máquinas desejantes e o corpo sem órgãos surge um conflito aparente"(p. 20).

8.7. A sétima ideia é a do "Corpo sem órgãos: a anti-produção. Repulsão e máquina paranoica". Retomando a frase destacada acima ("entre as máquinas desejantes e o corpo sem órgãos surge um conflito aparente" (p. 21), Deleuze e Guattari continuam: "Cada conexão de máquinas, cada produção de máquina, cada ruído de máquina se tornou insuportável ao corpo sem órgãos". Uma vez mais, esta parece ser uma síntese da forma como os autores enxergam o capital, o modo de produção e o conflito inerente que existe entre essa lógica e a da inatividade (canalizada justamente no conceito de "corpo sem órgãos"). Essa interpretação parece ser corroborada pelo seguinte trecho: "[...] essa repulsão das máquinas desejantes pelo corpo sem órgãos. E é justamente isso que significa a máquina paranoica, a ação invasiva das máquinas desejantes sobre o corpo sem órgãos, e a reação repulsiva do corpo sem órgãos, que as sente globalmente como aparelho de perseguição". Nesse sentido, a "paranoia" descrita no texto representa a inadequação destes "corpos sem órgãos", "sem desejo" e "improdutivos" ao sistema de produção, fluxo, conexão.

8.7.1. Se as "máquinas desejantes" estão em conformidade ao sistema produtivo, onde caberiam e/ou qual seria o papel dos "corpos sem órgãos"? Ele fica invisível na superfície (p. 21).

8.7.2. Os autores também chegam à conclusão de que o "corpo sem órgão" e as "máquinas desejantes" fazem parte de um mesmo sistema: "Mas, em si, a máquina paranoica é uma mutação das máquinas desejantes: resulta da relação das máquinas desejantes com o corpo sem órgãos, na medida em que este já não pode suportá-las" (p. 22).

8.8. A oitava ideia é a da "produção desejante e produção social: como a antiprodução se apropria das forças produtivas": o "socius", tal como os autores descrevem, é o corpo social assentado à lógica de produção; está "acoplado ao processo" e dele não pode se desfazer. Paralelo a essa explicação, Deleuze e Guattari ainda complementam que esse conceito - "socius", produção social - é um corpo sem órgão, no qual as "máquinas" e os "agentes" do capital se engancham e acoplam, de forma que faz parecer que quase tudo é produzido pelo capital (p. 22). A ideia pode ser subentendida do seguinte trecho: "À medida que a mais-valia relativa se desenvolve no sistema especificamente capitalista e que a produtividade social do trabalho cresce, as forças produtivas e as conexões sociais do trabalho parecem destacar-se do processo produtivo e passar do trabalho para o capital. Assim, o capital se torna um ser bastante misterioso, pois todas as forças produtivas parecem nascer no seio dele e lhe pertencer". Em outras palavras, é como se, no início (não informado pelos autores pelo ponto de vista histórico), houvesse só trabalho - e, conforme a lógica capitalista foi se desenvolvendo, o próprio sistema fosse se sobrepondo como uma estrutura.

8.8.1. Observação: a diferenciação entre produção desejante e social é apenas fenomenológica (metafórica), e não concreta.

8.8.2. Os autores não usam, vale lembrar, a palavra "estrutura", mas a deixam subentendida.

8.9. A nona ideia é a "Apropriação ou atração, e máquina miraculante", que reforça a proposição anterior de que o corpo sem órgão se apropria, inscreve-se, acopla-se e se assenta sobre a produção desejante (ou o capital). Aqui, os autores parecem indicar que podem coexistir, mesmo em contradição, a máquina desejante e o corpo sem órgão (na realidade, este servindo como superfície de inscrição para aquela) (p. 24).

8.9.1. Particularmente, acho inapropriada a ideia de enxergar o corpo sem órgão sem a máquina desejante, como se uma pudesse existir sem a outra - porém, é o que os autores defendem.

8.10. A décima proposição é a "A segunda síntese: síntese disjuntiva ou produção de registro": mais uma vez, este subitem complementa o anterior, no sentido de mostrar que, inerente àquela lógica do acoplamento do capital ao trabalho (ou da "máquina desejante" ao "corpo sem órgão"), está a inscrição como algo natural - ou seja, todos devem trabalhar, quase como se este fosse um pressuposto "natural ou divino" (p. 25). Em sua continuação ("Genealogia esquizofrênica"), os autores apresentam ideias sobre a esquizofrenia, as psicoses e as paranoias.

8.10.1. Aqui, fica claro um par de conceitos importantes para a obra: o de "libido" enquanto trabalho ("o trabalho conectivo da produção desejante") e o de "disjunção", seu extremo oposto.

8.11. O subitem seguinte é intitulado "O sujeito e o gozo", no qual os autores começam com "A terceira síntese: síntese conjuntiva ou produção de consumo". Primeiramente, fica claro que os sujeitos parecem gostar da produção desejante ([...] "algo da ordem de um sujeito se deixa assinalar [...]. É um estranho sujeito... sempre ao lado das máquinas desejantes" (p. 30)). Em segundo lugar, fica claro que os sujeitos sempre desejam algo em troca ([...] "um salário sobre suas dores [...]; "me cabe um pouco de prazer sensual, sinto-me tentado em justificá-lo como compensação" (p. 31)).

8.12. No subitem "Psiquiatria materialista" (p. 38), os autores exploram a relação entre o inconsciente e as estruturas de produção. Os autores argumentam começam o tópico abordando o delírio, que seria um registro que reflete o processo de produção das máquinas desejantes; relacionam-no à categoria psicanalítica de "automatismo". Defendem a relação entre a área e a História, pois é contextual