1. A composição, a redação e a produção de textos: breve percurso histórico.
1.1. 1. A composição escolar
1.1.1. A "composição" era (e ainda é) uma atividade comum nos livros didáticos, que pede aos alunos já alfabetizados para desenvolverem um texto a partir de um título, gravura, sequência de cenas ou paisagem. Conforme Val (1998), essa prática era vista como uma tarefa escolar formal, onde o foco estava no produto final (texto pronto) em vez do processo de produção, recepção, circulação . Em geral, o professor fornecia temas como "Minhas férias" ou "Uma tarde na fazenda" para o aluno "fazer composição", reforçando a escrita como um exercício artificial e exclusivamente escolar.
1.2. 2. A redação
1.2.1. A redação escolar é normalmente um texto de cerca de 30 linhas sobre temas problematizadores da mídia. A prática prioriza as formas linguísticas de produção e recepção, podendo criar um conflito entre o que o aluno quer expressar e o que acha que o professor espera. Isso faz com que a escrita se torne uma atividade focada em cumprir expectativas externas.
1.3. 3. A produção de textos
1.3.1. A expressão "produção de texto" tenta substituir "composição" e "redação" para enfatizar o ato de escrever e não apenas o produto final (resultado da ação). Essa mudança, influenciada por teorias da enunciação e do discurso, reflete uma visão da língua como meio interativo e sensível ao contexto. Ensinar a produção de textos deve focar no processo de comunicação, considerando as condições de produção, recepção e circulaçaõ para evitar que a escrita seja apenas uma atividade mecânica, desconectada do pensamento e da interação social.
2. Heterogeneidade dialetal e o ensino da produção escrita nas instâncias escolares.
2.1. O ensino da produção de textos na escola deve valorizar textos dos próprios alunos, promovendo o domínio do português padrão e a flexibilidade para adaptar-se a diferentes dialetos e registros. A prática considera a heterogeneidade dialetal —variações linguísticas regionais e sociais — como uma característica natural e útil para a aprendizagem, em vez de um problema a ser corrigido. Professores podem usar essas produções como base para reflexão e novos textos, incentivando a expressão espontânea e autêntica dos alunos, além de desenvolver a linguagem como ato comunicativo e não apenas de treinamento formal.
2.2. Retextualização: uma estratégia para o ensino da produção escrita
2.2.1. A retextualização, como estratégia de ensino da produção escrita, vai além da simples reescrita de um texto. Ela envolve transformar o conteúdo para um novo gênero ou contexto, com adaptações que refletem as condições de produção, como o público-alvo e o propósito do texto. Segundo Marcuschi, retextualizar é "dizer de outro modo", o que exige que os alunos considerem quem eles são, suas intenções e quem é seu interlocutor. Esse processo encoraja uma prática mais ativa e diversificada de escrita, já que o aluno explora variados gêneros (como propaganda, artigo de opinião, carta e etc) e domínios discursivos (literário, publicitário, jornalístico).
2.2.2. A retextualização utiliza textos dos próprios alunos como base, valorizando a linguagem que eles trazem de seu contexto sociocultural. Esse exercício enriquece a experiência ao permitir que os alunos "tenham o que dizer" ao redigir, ao invés de se limitarem à norma padrão. Esse método favorece o desenvolvimento de uma compreensão ativa da linguagem, onde o aluno escreve não apenas para o professor, mas para interlocutores reais ou imaginários, estimulando uma resposta e interação genuína. A escola, portanto, deve ir além da mera correção gramatical, acolhendo a diversidade linguística como parte essencial do aprendizado e promovendo o uso da linguagem de maneira significativa para diversos contextos.
3. O ensino da escrita na perspectiva da BNCC.
3.1. A proposta da BNCC (2017, p. 89) para o Ensino Fundamental, Anos Iniciais, é que se promovam atividades que busquem o desenvolvimento da língua oral e escrita, cuja base se deu no âmbito familiar e na Educação Infantil. Busca-se, portanto, aprofundar “o conhecimento e o uso da língua oral, as características de interações discursivas e as estratégias de fala e escuta em intercâmbios orais”. (p.89).
3.1.1. "Progressiva incorporação de estratégias de produção de textos de diferentes gêneros textuais” (p. 89).
3.1.1.1. Cantar cantigas e recitar parlendas e quadrinhas, ouvir e recontar contos, seguir regras de jogos e receitas, jogar games, relatar experiências e experimentos, serão progressivamente intensificadas e complexificadas, na direção de gêneros secundários com textos mais complexos.(BNCC, 2017, p. 89).
3.2. A BNCC defende que a alfabetização deve se concretizar, de fato, no 1º. e 2º. anos do Ensino Fundamental.
3.2.1. "A alfabetização deve ser o foco da ação pedagógica. Nesse processo, é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga “codificar e decodificar” os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras), o que envolve o desenvolvimento de uma consciência fonológica (dos fonemas do português do Brasil e de sua organização em segmentos sonoros maiores como sílabas e palavras) e o conhecimento do alfabeto do português do Brasil em seus vários formatos (letras imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas), além do estabelecimento de relações grafofônicas entre esses dois sistemas de materialização da língua" (p. 90)
3.2.1.1. Propostas em relação à abordagem da leitura e da produção de textos, sob o enfoque de duas categorias: Práticas de linguagem e Objetos de Conhecimento.
3.2.1.1.1. 1. Planejar, com a ajuda do professor, o texto que será produzido, considerando a situação comunicativa, os interlocutores (quem escreve/para quem escreve); a finalidade ou o propósito (escrever para quê); a circulação (onde o texto vai circular); o suporte (qual é o portador do texto); a linguagem, organização e forma do texto e seu tema, pesquisando em meios impressos ou digitais, sempre que for preciso, informações necessárias à produção do texto, organizando em tópicos os dados e as fontes pesquisadas (p. 95).
3.2.1.1.2. 2. Reler e revisar o texto produzido com a ajuda do professor e a colaboração dos colegas, para corrigi-lo e aprimorá-lo, fazendo cortes, acréscimos, reformulações, correções de ortografia e pontuação (p. 95).
3.2.1.1.3. 3. Editar a versão final do texto, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, ilustrando, quando for o caso, em suporte adequado, manual ou digital (p. 95).
3.3. Inclusão do mundo digital.
3.3.1. 1. Editar a versão final do texto, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor ilustrando, quando for o caso, em suporte adequado, manual ou digital (p.99).
3.3.2. 2. Utilizar software, inclusive programas de edição de texto, para editar e publicar os textos produzidos, explorando os recursos multissemióticos disponíveis (p. 99).
3.3.3. 3. Planejar e produzir, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, recados, avisos, convites, receitas, instruções de montagem, dentre outros gêneros do campo da vida cotidiana, que possam ser repassados oralmente por meio de ferramentas digitais, em áudio ou vídeo, considerando a situação comunicativa e o tema/assunto/finalidade do texto (p. 103).
3.3.4. 4. Planejar, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, slogans e peça de campanha de conscientização destinada ao público infantil que possam ser repassados oralmente por meio de ferramentas digitais, em áudio ou vídeo, considerando a situação comunicativa e o tema/assunto/finalidade do texto (p. 107).
3.3.5. 5. Identificar e reproduzir, em fotolegendas de notícias, álbum de fotos digital noticioso, cartas de leitor (revista infantil), digitais ou impressos, a formatação e diagramação específica de cada um desses gêneros, inclusive em suas versões orais (p. 107).
4. Algumas reflexões para análise do ensino da escrita em livros didáticos.
4.1. A partir da década de 1970, o termo “composição” foi gradualmente substituído por “redação” e, mais tarde, por “produção de textos”, principalmente após os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998. Essas mudanças não se referem apenas a uma troca de nomes, mas refletem diferentes abordagens teóricas sobre o ensino da escrita. A ideia de "efeito" no ato de escrever passou a ter mais importância, sugerindo que o ensino da escrita deveria desafiar os alunos com novas propostas. No entanto, muitos materiais didáticos ainda mantêm características tradicionais de composições escolares, mesmo sob o título de “produção de textos”, oferecendo poucas inovações ou desafios.
4.1.1. O cidadão ter acesso a uma escrita adequada a diferentes finalidades: defender-se de uma injusta acusação; posicionar-se diante de um tema polêmico; elaborar um relatório técnico; entre muitas outras situações tão frequentes nas práticas sociais de escrita.