GROSSI, Paulo. Da Sociedade de Sociedades à insularidade do Estado entre Medievo e Idade Moderna.por José Jance Marques
1. Da Sociedade de Sociedades à insularidade do Estado entre Medievo e Idade Moderna.
1.1. Após a Revolução Francesa fez-se possível o surgimento do Código Napoleônico pois tinha-se reduzido o reino da França a um Estado efetivamente unitário. Impensável no Antigo regime, quando a Monarquia estava acima de uma realidade social e juridicamente complexa, se apresentando como uma sociedade de sociedades. (essa expressão dava a imagem de um Estado incapaz de se libertar de antigos condicionamentos e ainda portador de relíquias medievais).
1.2. A modernidade sendo entendida como a superação da articulação em sociedade de sociedades que não permitia a manifestação de um poder político consumado. A cifra mais secreta da civilização medieval é essa não consumação.
1.3. Com a crise político romana vai se delineando um modo mais claro de uma civilização não- antropocêntrica, mas reicêntrica, tendo como característica geral a desconfiança na individualidade.
1.4. Em nível social não emerge o indivíduo, que seria condenado à morte na sua solidão; em nível político, não emerge um poder que possa ser qualificado como consumado.
1.5. O fato de ser consumado significa um poder fortemente projetual que tende a controlar toda manifestação social, gerando uma extraordinária compactação e uma perfeita insularidade.
1.6. Na Idade Média não emerge um sujeito político consumado, emerge, ao contrario, uma sociedade que que não permite a insualridade, elástica e sem limites certos, sendo extremamente complexa.
1.7. A imagem da teia parecia-me apropriado por marcar as opções sócio-políticas medievais. Uma rede também serviria, a figura organizacional denominada rede se contrapõe àquela própria do Estado. Este é regido pelo paradigma da unidade e um ordenamento fechado e definindo.
1.8. Em cada realidade histórica em que o Estado se atenua ou desaparece domina uma sociedade que se caracteriza como relacional global, não fechada, ou melhor, abertíssima, chegando a uma projeção universal em que nenhuma das suas coagulações consegue ser insular ou individualizar. É o triunfo do social.
1.9. Reconhecer que a experiência medieval se desenvolve em um vazio estatal. Na ausência do grande manipulador que quer conduzir o social, a dimensão jurídica goza de autonomia e graças a isso desempenha papel central na sociedade.
1.10. Juntamente com o termo Estado existe a noção de soberania, ela é o cimento que solidifica uma entidade política tipicamente estatal, fortificando sua insularidade.
1.11. Na sociedade Medieval o poder político é marcado pela não consumação, mas a ordem era essencial. A salvação dessa civilização se encontra no direito. Esse direito não cai do alto e nem é estranho à sociedade, pelo contrário, ele é uma ordem de matriz consuetudinária, com capacidade de flexibilização e que demorou para se consolidar.
1.12. Este é o caráter fundamental do Ordo: nunca pode ser o sacrifício da diversidade em nome de uma compactação, é uma harmonia da complexidade. A teia possui tramas de fios que se relacionam. Não existe ligação para individualidades nem para soberanias isolantes. É uma rede de autonomias (relativo- separa, ligando).
1.13. Em suma, o universo político-jurídico medieval é nós com um universo de relações entre entidades diferentes fechadas em uma ordem, mas que conservam sua diversidades marcadas pelos limites relativos da autonomia.
1.14. Tomás de Aquino da uma diferença de imperium e imperare, comando, comandar. O superior, graças ao comando permite ao inferior que desenvolva plenamente a função. O comando se torna racional e não uma arbitrariedade.
1.15. No século XIV surge a modernidade. Com modernidade podemos significar a crise da ordem medieval que condenou a morte toda essa ordem, permitindo ao homem sair para o aberto e começar a ir de encontro à sociedade civil. Essa passagem é bastante lenta e profunda. Esse século é tempo de tríplice desconfiança: em relação aos valores, à ordem, e em relação a dimensão comunitária.
1.16. A erosão jurídica será lenta e a última a se manifestar. O novo será verdadeiramente novo se o processo em marcha tomar a forma de um processo de sempre maior individualização. É sobre os indivíduos que deve se fundamentar a nova ordem. O processo assume caráter libertador.
1.17. É fruto da liberação política que a entidade surge com forças atrevidas e arrogantes com a mania de retirar qualquer obstáculo a própria ação política e de prestar contas só a si mesma – ESTADO.
1.18. O homem novo é indiferente a ordem e desiludido com as coisas, possui a vontade de se isolar do mundo e sobre este encontrou a força para se libertar de antigas prisões.
1.19. Tudo passa a ser reduzido a relação fundamental entre homem e Deus, pressa para construir a metafisica do homem.
1.20. A liberdade é antes de tudo a autodeterminação da vontade, o domínio e soberania da vontade e liberdade.
1.21. Em nível político, o novo século se inaugura com um olhar respeitadíssimo ao passado, querendo exumá-lo e fazê-lo a intriga da vida presente. Visando tornar a comunidade francesa da “sociedade das sociedades”, ou seja, de uma entidade complexa a uma simples e compacta. O direito contribuirá para manter a insularidade do edifício estatal.
1.22. O pluralismo vigorava devido a existência das autonomias. O ius commune, que por ser fruto de sábios e tendo as bases romanas canônicas, pode ter uma projeção universal.
1.23. O Estado realiza uma profunda mutação na paisagem jurídica: o príncipe legislador retira o direito comum, rejeita as mensagens universalistas, que sente como lesões ao seu poder, e se dedica a criar um direito nacional, insular. No fundo desse processo está a afirmação de um rígido monismo jurídico, com a identificação do direito na lei (manifestação de uma vontade soberana).
1.24. A sociedade das sociedades já se tornou uma ilha unitária, compacta, simples e intolerante a autonomias no seu interior, pôde realizar a codificação geral.